Lanço o primeiro post desse sítio para apresentar o PArtiMus. Um grupo de pesquisa artística em música, guiado pela criação e experimentação. Nossa origem se deu no ano de 2019, no momento em que começa a ser gestado o projeto de Jonas Reborn, uma criação conjunta minha e de Marina Spoladore. Foi Marina que trouxe para nós, a partir de seu Doutorado em andamento, na ocasião, na Universidade de Aveiro, o primeiro conhecimento acerca do movimento de Pesquisa Artística e de uma de suas mais importantes metodologias, a Autoetnografia. Nessa etapa, foi fundamental o encorajamento da orientadora de Marina, profa. Helena Marinho, para que entrássemos em uma jornada de questionamento de nossas práticas e conceitos. Foi a primeira experiência de Marina como compositora, e minha como pianista em um nível mais exigente. O projeto se desenvolveu durante os anos 2020 a 2022, quando enfrentamos a pandemia e um período difícil da vida política do país. Tudo isso se espelhou na peça, que usa a parábola do profeta Jonas para contar sobre a relação da divindade, ou do destino, com a população desprotegida. Nada mais oportuno.

A transição, no entanto, de pesquisas anteriores para a constituição de um novo grupo, se deu de forma gradativa, advinda de trabalhos ainda mais pretéritos, que se desenvolviam em outros dois grupos – o grupo MusMat, ao qual pertenci até o ano de 2020, e o grupo Performance Hoje, cujas fileiras ainda integro. Eu e Pedro Bittencourt, do PH, oferecemos a disciplina Seminários Avançados de Processos Criativos II, no curso de Doutorado do PPGM-UFRJ, nos anos de 2019, 2020 e 2021, dialogando com queridos colegas do Brasil e do estrangeiro que desenvolviam pesquisas artísticas. Foi uma experiência decisiva para darmos uma guinada em nossa visão sobre a arte e a música. Nosso trabalho no Abstrai Ensemble, do qual Pedro é o líder, já é um trabalho reconhecido de pesquisa artística que está sendo desenvolvido no Brasil desde 2011.

Foi através do trabalho com um orientando meu, Bernardo Ramos, que conceitos que ligam a Teoria Musical das Partições com elementos externos, com o corpo e a cultura, foram gestados. Esses conceitos derivam da Análise Particional, que é uma teoria que trata da textura musical, com que venho me debatendo há 20 anos. Em minha tese, publicada em 2009, já havia a pretensão de conectar a AP de forma mais palpável a elementos concretos. Na verdade, o próprio fundamento filosófico da AP é mesmo a virada linguístico-pragmática do Segundo Wittgenstein, que trata das formas de vida e dos jogos – ou seja, das ações práticas envolvidas em nosso dia a dia.
Um dos estudos desenvolvidos com Bernardo é o particionamento performativo – que trata do reconhecimento da relação íntima entre, de um lado, os modos de acoplamento do corpo do músico ao seu instrumento e, de outro, a textura musical (principalmente no aspecto do particionamento rítmico) em seu aspecto mais estrutural. Os dedos e as mãos produzem linhas e blocos que constituem o aspecto básico do discurso textural. As configurações manuais momentâneas se organizam em estruturas maiores, que são então chamadas de complexos particionais, que são constituídos por relações matemáticas muito particulares. Esses complexos constituem resumos de modos de ação que vão, em seus diversos níveis hierárquicos, apresentando com mais força a estrutura dos instrumentos, da mão e dos dedos e a relação deles com as cordas e trastes (no caso do violão). Um caminho seguido e desenvolvido por alguns outros autores, tanto do grupo (como, por exemplo, Pedro Miguel de Moraes, que aplica a mesma metodologia ao instrumento piano), como do grupo MusMat, como Daniel Moreira, que fez contribuições importantes para a expansão dos complexos e de outras partes da teoria (como as classes texturais e as thread-words, por exemplo).

Os complexos particionais são alvo também de uma pesquisa do núcleo Hermanos, do grupo PArtiMus, constituído por mim, Luan Simões e o professor Petrucio Viana, da Universidade Federal Fluminense. Esse subgrupo tem se debruçado em diversos assuntos ligados ao tema do grupo, tais como a microtonalidade (tema da monografia de TCC do Luan), as estruturas composicionais de Iannis Xenakis na peça Herma (pela qual publicamos um trabalho nos anais do Congresso Xenakis 22, realizado na Grécia por ocasião das comemorações do centenário do compositor), e a composição de obras auxiliadas por computador, em torno de interpretações musicais de aspectos da Teoria dos Grafos. As habilidades e reflexões de Luan como programador tem sido fundamentais para alimentar o trabalho e gerar resultados. Já Petrucio, além de uma grande referência no campo da Lógica do país, é também um excelente poeta; estamos trabalhando também sobre sua obra artística.

Assuntos mais atualizados da AP também são tema do trabalho que desenvolvo com o professor Marcos Sampaio, da Universidade Federal da Bahia. Marcos, além de ativo professor de análise e compositor, é programador também. Marcos desenvolveu ferramentas extremamente poderosas para a Análise Particional e para a Análise Musical em geral. Falo especialmente do RP Scripts, que revolucionou e expandiu as ferramentas da AP que já existiam, trazendo elas para o ambiente Python e permitindo uma gama de aplicações que ainda estão começando a serem exploradas. Além disso, vêm envolvendo na pesquisa seus talentosos alunos de composição da UFBA, com quem temos estabelecido trocas muito frutíferas. O trabalho está gerando obras baseadas nesses corpos teóricos, que serão abordadas aqui em breve.

O uso de estruturas externas à música é tema também da pesquisa de Jonas Hocherman, que faz o Mestrado no PPGM-UFRJ. Estamos trabalhando com o SYKE – Finnish Environment Institute desde 2021, empenhados em realizar a sonificação dos movimentos sazonais do fitoplâncton no Mar Báltico. Essa iniciativa é um engajamento no esforço de entender a dinâmica do aquecimento global e seu impacto na produção de oxigênio para o planeta. Jonas está trabalhando na transposição desses dados para estruturas musicais que serão orquestradas para Big Band ou Banda Sinfônica no final de seu curso. Estamos, para isso, contando com a ajuda essencial da bióloga e pesquisadora Lumi Haraguchi.

A relação da música com outras artes é também explorada pela compositora Angelica Faria, sediada na Flórida, que se dedica à música para audiovisual e para dança, com pesquisa sobre as questões semânticas e poéticas ligadas aos hibridismos. Angelica tem sido uma grande companheira ao trocar comigo as impressões sobre a AP e se propor a aplicá-la também em contextos ampliados.

A criação artística informada pela pesquisa é então o principal objeto de interesse do grupo, motor para várias produções. Por exemplo, performances que tenho feito com Sergio Ribeiro, que se dedica à música contemporânea, no caso para violão e eletrônica. Sergio foi meu orientando e estamos gestando algumas obras e performances que seguirão o espírito do grupo.
